Bom-Crioulo - Resumo
Amaro, um escravo fugido,
alista-se na Marinha, tornando-se um soldado exemplar. Forte e gentil com
todos, recebe o apelido de Bom-Crioulo. Dez anos se passam e Amaro não mostra a
mesma disposição para o trabalho, nem tampouco a mesma gentileza, notadamente
quando se entrega à bebida. Seu estado de ânimo se altera também na presença de
certo grumete, Aleixo, com quem se envolve sexualmente. Amaro conheceu certa
vez o amor de uma mulher, mas só agora descobre sua verdadeira inclinação.
Chegam ao Rio de Janeiro e se
instalam em uma pensão na Rua da Misericórdia, cuja proprietária, D. Carolina,
sabedora da indisposição de Amaro para mulheres, arranja um quarto discreto
para os dois. Ali, Aleixo cedia a todos os desejos do amante, como o de
observá-lo nu.
Um ano se passa, durante o
qual os dois marinheiros levam uma vida matrimonial secreta. Mas Amaro é
transferido para outro navio e ocorre a separação que ele tanto temia. Na
ausência de Amaro, D. Carolina seduz Aleixo.
Bom-Crioulo, ansioso para
rever o amante, desobedece a ordens superiores e, conduzindo um bote de
mantimentos, atraca no porto do Rio e se dirige à pensão. Aleixo não aparece durante
toda a noite, o que desperta desconfianças e ciúmes em Amaro.
No cais, ainda perturbado
pelos ciúmes, embriaga-se a acaba brigando. A polícia é chamada e Amaro é
aprisionado e entregue ao comandante do navio, que o castiga de forma tão dura
que o marinheiro é conduzido ao hospital. Ali, sofre tanto pelas dores físicas
quanto pelo fato de não receber nenhuma visita de Aleixo. Envia-lhe um bilhete,
mas D. Carolina o intercepta, temerosa de perder os afetos do novo
amante.
Amaro recebe a visita de Herculano,
antigo companheiro de embarcação, que revela o envolvimento de Aleixo com uma
mulher. Amaro espera a madrugada para fugir. O empregado de uma padaria próxima
à pensão confirma o caso amoroso de Aleixo e D. Carolina. Ao avistar o antigo
amante, que sai da pensão, Amaro se dirige a ele, cego de ódio, iniciando uma
discussão. Pessoas se aproximam dos dois, formando uma roda. D. Carolina
desperta com o alvoroço e, abrindo caminho entre a multidão, aproxima-se e vê o
amante estendido no chão, com o pescoço cortado, enquanto Amaro, “triste e
desolado”, é conduzido por dois policiais.
Contexto
Sobre
o autor:
Adolfo Caminha foi um dos
grandes representantes da vertente naturalista do realismo brasileiro,
caracterizada pela oposição ao romantismo por intermédio da recusa do
sentimentalismo e da abordagem de temas chocantes, no bojo da qual vinham as
críticas ao moralismo dos costumes.
Importância
do livro:
Em Bom-Crioulo, uma
paródia do amor romântico se dá na subversão do par amoroso, constituído, aqui,
por dois homens, o que seria impensável para a geração de José de Alencar. No
romance, manifestam-se de maneira clara as convenções naturalistas.
Período
Histórico:
A reação às idealizações da
estética romântica conduziu os escritores da segunda metade do século XIX à
busca de uma literatura fundada na verdade, na exposição crua e direta das
relações humanas.
Análise
A objetividade que
caracterizava a postura narrativa da ficção realista-naturalista conduzia a uma
preferência pelo foco narrativo de 3ª pessoa. No entanto, muitas vezes esse
narrador interferia no relato, tecendo comentários a respeito de certas circunstâncias
do enredo. É o que ocorre aqui: a todo momento, em pequenas incursões, o
narrador expõe seus pontos de vista. Manifestações de subjetividade como essas
podem sugerir a presença de um narrador romântico. E talvez essa impressão não
esteja tão distante da realidade. De fato, uma leitura atenta permite perceber
alguns traços típicos do romantismo: a dor da separação e do ciúme; a
descoberta do amor; a presença do herói forte e protetor, capaz de qualquer
sacrifício pelo ente amado. Amaro se descobre homossexual e manifesta os mesmos
ciúmes doentios encontrados nas novelas sentimentais. Aleixo se mostra frágil e
indefeso, como as heroínas românticas convencionais.
O que Adolfo Caminha
realizou, portanto, foi uma versão do romantismo, tornada grotesca pela força
do apelo sexual, exatamente o traço forte do Naturalismo. A sexualidade se
manifesta na masturbação, consequência fisiológica do isolamento a que são
relegados os marinheiros, e na luxúria dos encontros amorosos. Dominados pelos
instintos, os indivíduos se entregam à preguiça e à degeneração.
A redução das personagens aos
seus instintos animais e a manifestação clara da sexualidade, dois traços
importantes do Naturalismo, aparecem de forma evidente no romance, expostos na
linguagem crua e direta que também caracterizava o estilo.
No tratamento da
homossexualidade, pode-se entrever o esforço do narrador em focalizá-la como
manifestação natural dos instintos. Mas ele não consegue evitar certo viés
moralista condenatório, em uma marginalização que é acentuada pelos espaços de
livre manifestação sexual, sempre caracterizados pelas sombras e pelo
distanciamento da sociedade – como os porões do navio ou o quarto de pensão
onde se escondem os amantes. A linguagem sugere a mesma oscilação, na
simplicidade e desprendimento com que o narrador relata o caso de amor que, por
outro lado, não deixa de mostrar como escabroso.
A força do sexo domina a
personalidade das personagens. Amaro, o Bom-Crioulo, passa da submissão à
instabilidade comportamental em função do afloramento de seus desejos,
excitados pela presença de Aleixo. Este, por sua vez, igualmente escravo dos
instintos, vê-se tão envolvido pelo macho que o submete quanto pela fêmea que o
seduz.
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