O CARAMURU ,
de Santa Rita Durão
CLASSIFICAÇÃO – Poema épico, escrito em
decassílabos rimados, com divisão em cantos e estrofes. Imita, assim, o esquema
tradicional imposto por Camões em Os Lusíadas.
TEMA CENTRAL – O poema narra, em dez cantos, o antigo estilo dos poemas estruturados em 10
cantos e em oitava rima. A obra enfoca o triunfo de uma figura mítica do
passado colonial brasileiro, o qual simboliza também o êxito de um país. O
naufrágio de Diogo Álvares Correia (na costa da Bahia) e suas aventuras
amorosas com as índias, sobretudo com Paraguaçu e Moema. A trama se baseia em um evento verídico. O
protagonista é Diogo Álvares Correia um náufrago lusitano que se transformou em líder dos indígenas da tribo
tupinambá, sediada na Bahia. Caramuru é o nome dado ao português que passa a
viver entre os índios. O material é vasto: fatos da História, o
temperamento e as lendas dos indígenas. O poema segue o esquema clássico
camoniano, usando a oitava rima, obedecendo à divisão tradicional em proposição, invocação, dedicatória,
narrativa e epílogo. Além disso,
registra dados muito importantes sobre os nativos de nosso país. O índio é
enfocado sob o ângulo da conversão ao Cristianismo. Pelo menos na visão
fictícia o protagonista é um devoto nato.
PERSONAGENS PRINCIPAIS:
§ Diogo
Álvares Correia – herói; náufrago português.
§ Paraguaçu
– índia, filha do cacique.
§ Moema
– amante de Diogo; morre afogada.
§ Taparica
– cacique; pai da índia Paraguaçu
Tema Central
O poema narra, em dez cantos, o
naufrágio de Diogo Álvares Correia e seus amores com as índias, sobretudo com
Paraguaçu. O material é vasto; fatos de nossa história, o temperamento dos
indígenas, lendas. O poema segue o esquema clássico-camoniano, usando a oitava
rima, observando a divisão tradicional em proposição, invocação, dedicatória,
narrativa e epílogo. Uso da linguagem mitológica e do maravilhoso pagão e
cristão, rigorosamente nos moldes camonianos.
Apreciação
crítica
Costuma-se rotular Santa Rita Durão
de passadista. Embora pertença à geração de Cláudio Manuel da Costa, é na de
Gonzaga que escreve e publica o seu poema épico, num estilo neocamoniano, em
que reminiscências cultistas misturam-se a traços de cosmovisão do seu tempo.
Dentre os que vieram a formar com ele a chamada Escola Mineira, é o mais
isolado. Não se conhece dele qualquer preocupação teórica que permita
relacioná-lo ao movimento, nem se nota em seus versos influência estilística
dos árcades. O Caramuru tem os elementos tradicionais do gênero épico:
duros trabalhos de um herói, contato de gentes diversas, visão de uma sequência
história. A sua linha é camoniana e o intuito foi “compor uma brasilíada”. A
narrativa é enriquecida com referência a fatos históricos desde o descobrimento
até a época do autor, dando-se grande relevo também à matéria descritiva e
informativa. É o caso da descrição do Brasil por Diogo, coroando as tentativas
de louvação da terra, prenunciando certos aspectos do nacionalismo romântico.
MORTE DE
MOEMA (fragmento)
(Abandonada por Diogo, que parte para a Europa com
Paraguaçu, Moema atira-se ao mar, perseguindo o navio em que Diogo viajava, até
a morte).
(...)
XXXVI
É fama então
que a multidão formosa
Das damas que
Diogo pretendiam,
Vendo
avançar-se a nau na via undosa,
E que a
esperança de o alcançar perdiam,
Entre as
ondas com ânsia furiosa
Nadando o
esposo pelo mar seguiam
E nem tanta
água, que flutua vaga,
O ardor que o
peito tem, banhando apaga.
(...)
XXXVII
Copiosa
multidão da nau Frances
Corre a ver o
espetáculo assombrada
E, ignorando
a ocasião de estranha empresa,;
Pasma da
turba feminil que nada.
Uma, que às
mais precede em gentileza,
Não vinha
menos bela do que irada:
Era Moema,
que de inveja geme,
E já vizinha
à nau se apega ao leme.
(...)
Bem puderas,
cruel, ter sido esquivo,
Quando eu a fé
rendia ao teu engano;
Nem me
ofenderas a escutar-me altivo,
Que é favor,
dado a tempo, um desengano.
Porém,
deixando o coração cativo,
Com fazer-te
a meus rogos sempre humanos,
Fugiste-me,
traidor, e desta sorte
Paga meu fino
amor tão crua morte?
[in Tesouro da Juventude, volume 15]
Canto I
Na primeira
estrofe, o poeta introduz a terra a ser cantada e o herói - Filho do Trovão -,
propondo narrar seus feitos (proposição). Na estrofe seguinte, pede a Deus que
o auxilie na realização do intento (invocação), e da terceira à oitava
estrofes, dedica o poema a D. José I, pedindo atenção para o Brasil,
principalmente a seus habitantes primitivos, dignos e capazes de serem
integrados à civilização cristã. Se isso for feito, prevê Portugal renascendo
no Brasil.
Da nona
estrofe em diante, tem-se a narração. A caminho do Brasil, o navio de Diogo
Álvares Correia naufraga. Ele e mais sete companheiros conseguem se salvar. Na
praia, são acolhidos pelos nativos que ficam temerosos e desconfiados. Os
náufragos, por sua vez, também temem aquelas criaturas antropófagas, vermelhas
que, sem pudor, andam nuas. Assim que um dos marinheiros morre, retalham-no e
comem-lhe, cruas mesmo, todas as partes. Sem saber o futuro, os sete são presos
em uma gruta, perto do mar, e, para que engordem, são bem alimentados. Notando que
os índios nada sabem de armas, Diogo, durante os passeios na praia, retira, do
barco destroçado, toda pólvora e munições, guardando-as na gruta. Desde então,
como vagaroso enfermo, passa a se utilizar de uma espingarda como cajado. Para
entreter os amigos, Fernando, um dos náufragos, ao som da cítara, canta a lenda
de uma estátua profética que, no ponto mais alto da ilha açoriana, aponta para
o Brasil, indicando a futuros missionários o caminho a seguir.Um dia,
excetuando-se Diogo, que ainda estava enfermo e fraco, os outros seis são
encaminhados para os fossos em brasa. Todavia , quando iam matar os náufragos,
a tribo do Tupinambá Gupeva é ferozmente atacada por Sergipe. Após sangrenta
luta, muitos morrem ou fogem; outros se rendem ao vencedor que liberta os
pobres homens que desaparecem, no meio da mata, sem deixar rastro.
Canto II
Enquanto a
luta se desenvolve, Diogo, magro e enfermo para a gula dos canibais, veste a
armadura e, munido de fuzil e pólvora, sai para ajudar os seis companheiros que
serão comidos. Na fuga, muitos índios buscam esconderijo na gruta, inclusive
Gupeva que, ao se deparar com o lusitano, saindo daquele jeito, cai prostrado,
tremendo; os que o seguiam fazem o mesmo; todos acham que o demônio habita o
fantasma-armadura.
Álvares
Correia, que já conhecia um pouco a língua dos índios, espera amansá-los com
horror e arte. Levantando a viseira, convida Gupeva a tocar a armadura e o
capacete. Observa, amigavelmente, que tudo aquilo o protege, afastando o
inimigo, desde que não se coma carne humana. Ainda aterrorizado, o chefe
indígena segue-o para dentro da gruta, onde Diogo acende a candeia, levando-o a
crer que o náufrago tem poder nas mãos. Sob a luz, vê, sem interesse, tudo que
o branco retirara da nau. Aqui, o poeta, louva a ausência de cobiça dessa
gente. Entre os objetos guardados pelos náufragos, Gupeva encanta-se com a
beleza da virgem em uma gravura. Tão bela assim não seria a esposa de Tupã? Ou
a mãe de Tupã? Nesse momento, encantado pela intuição do bárbaro, Diogo o
catequiza, ganhando-lhe, assim a dedicação. Saindo da gruta, o índio, agora
manso e diferente, fala a seu povo Tupinambá, ao redor da gruta. Conta-lhes
sobre o feito do emboaba, Diogo, e que Tupã o mandara para protegê-los. Para
banquetear o amigo, saem para caçar. Durante o trajeto, Álvares Correia usa a
espingarda, aterrorizando a todos que exclamam e gritam: Tupã Caramuru! Desde
esse dia, o herói passa a ser o respeitado Caramuru - Filho do Trovão. Querendo
terror e não culto, Diogo afirma-lhes que, como eles, é filho de Tupã e a este,
também, se humilha. Mas que como filho do trovão, (dispara outro tiro) queimará
aquele que negar obediência ao grande Gupeva.
Nas estrofes seguintes, o poeta descreve os
costumes da selva. Caramuru instala-se na aldeia, onde imensas cabanas abrigam
muitas famílias, que vivem em harmonia. Muitos índios querem vê-lo, tocá-lo.
Outros, em sinal de hospitalidade, despem-no e colocam-no sobre a rede,
deixando-o tranquilo. Paraguaçu é uma índia, de pele branca e traços finos e
suaves. Apesar de não amar Gupeva, está na tribo por ter-lhe sido prometida.
Como sabe a língua portuguesa, Diogo quer vê-la. Após o encontro os dois estão
apaixonados.
Canto III
À noite,
Gupeva e Diogo conversam sob a tradução feita por Paraguaçu. O lusitano fica
pasmo ao saber que, para o chefe da tribo, existe um princípio eterno; há
alguém, Tupã, ser possante que rege o mundo; aquele que vence o nada, criando o
universo. O espírito de Deus, de alguma maneira, comunica-se com essa gente.
Gupeva eloquente fala acerca da concepção dos selvagens sobre o tempo, o Céu, o
Inferno. Abordam a lenda da pregação de S. Tomé em terras americanas.
Concluindo a conversa, o cacique diz que estão para ser atacados pelos
inimigos; Caramuru aconselha-o a ter calma. De repente, chegam os ferozes
índios Caetés que, ao primeiro estrondo do mosquete, batem em retirada,
correndo, caindo; achando, enfim, que o céu todo lhes cai em cima.
Canto IV
O temido
invasor noturno é o Caeté, Jararaca, que ama Paraguaçu perdidamente. Ao saber que
ela esta destinada a Gupeva, declara guerra. Após o ataque estrondoso do Filho
do Trovão, Jararaca convoca outras nações indígenas com as quais tinha aliança:
Ovecates, Petiguares, Carijós, Agirapirangas, Itatis. Conta-lhes que Gupeva
prostrou-se aos pés de um emboaba pelo pouco fogo que acendera, oferecendo-lhe
até a própria noiva. O cacique alerta-os que se todos agirem assim, correm o
risco de serem desterrados e escravizados em sua própria terra, enchendo de
emboabas a Bahia. Apela para a coragem dos nativos, dizendo que apesar do raio
do Caramuru ser verdadeiro, ele nada teme, porque não vem de Deus. Não há
forças fabricadas que a eles destruam. A guerra tem início e Paraguaçu também
luta heroicamente e, num momento de perigo, é salva pelo amado lusitano.
Canto V
Depois da
batalha, os amantes discorrem sobre o mal que habita o ser humano e qual a
razão de Deus para permiti-lo. Em seguida, em Itaparica, o herói faz com que
todos os índios se submetam a ele, destruindo as canoas com as quais Jararaca
pretendia liquidá-lo.
Canto VI
As filhas
dos chefes indígenas são oferecidas ao destemido Diogo, para que este os honre
com o seu parentesco. Como ama Paraguaçu, aceita o parentesco, mas declina as
filhas. Na mata, o herói encontra uma gruta com tamanho e forma de igreja e
percebe ali a possibilidade dos nativos aceitarem a Fé Cristã, e se dispõe a
doutriná-los. Mais tarde, salva a tripulação de um navio espanhol naufragado e,
saudoso da Europa, parte com Paraguaçu em um barco francês.
Quando a nau
ganha o mar, várias índias, interessadas em Álvares Correia, lançam-se nas
águas para acompanhá-lo. Moema, a mais bela de todas, consegue chegar perto do
navio Agarrada ao leme, brada todo seu amor não correspondido ao esquivo e
cruel Caramuru. Implora para que ele dispare sobre ela seu raio. Ao dizer isso,
desmaia e é sorvida pela água. As outras, que a acompanhavam, retornam tristes
à praia. Nas demais estrofes do canto, a história do descobrimento do Brasil é
contada ao comandante do barco francês.
Canto VII
Na França, o
casal é recebido na corte e Paraguaçu é batizada com o nome da rainha Catarina
de Médicis, mulher de Henrique II, que lhe serve de madrinha. Diogo lhes
descreve tudo o que sabe a respeito da flora e fauna brasileira.
Canto VIII
Henrique II
se predispõe a ajudar Diogo Álvares na tarefa de doutrinamento e assimilação
dos índios, oferecendo-lhe tropa e recompensa. Fiel à monarquia portuguesa, o
valente lusitano recusa tal proposta. Na viagem de volta ao Brasil, Catarina-Paraguaçu
profetiza, prospectivamente, o futuro da nação. Descreve as terras da Bahia,
suas povoações, igrejas, engenhos, fortalezas. Fala sobre seus governadores, a
luta contra os franceses de Villegaignon, aliados aos Tamoios. Discorre sobre o
ataque de Mem de Sá aos franceses no forte da enseada de Niterói e sobre a
vitória de Estácio de Sá contra as mesmas forças.
Canto XIX
Prosseguindo
em seu vaticínio, Catarina-Paraguaçu descreve a luta contra os holandeses que
termina com a restauração de Pernambuco.
Canto X
A visão
profética de Catarina-Paraguaçu acaba se transformando na da Virgem sobre a
criação do universo. Ao chegar, o casal é recebido pela caravela de Carlos V
que agradece a Diogo o socorro aos náufragos espanhóis. A história de Pereira
Coutinho é narrada, enfatizando-se o apoio dos Tupinambás na dominação dos
campos da Bahia e no povoamento do Recôncavo baiano. Na cerimônia realizada na
Casa da Torre, o casal revestido na realeza da nação espanhola, transfere-a
para D. João III, representado na pessoa do primeiro Governador Geral, Tomé de
Souza. A penúltima estrofe canta a preservação da liberdade do índio e a
responsabilidade do reino para com a divulgação da religião cristã entre eles.
Na última (epílogo), Diogo e Catarina, por decreto real, recebem as honras da
colônia lusitana.
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