Dois irmãos, de Milton Hatoum


Dois irmãos, de Milton Hatoum 

O romance Dois Irmãos, publicado em 2000, rompeu um silêncio de 11 anos que Milton Hatoum vinha mantendo desde Relato de um Certo Oriente, sua estreia como romancista. O autor costuma dizer, em entrevistas, que “cada livro nos ensina a escrever”. Se sua afirmação for levada ao pé da letra, nenhum livro lhe ensinou tanto quanto Dois Irmãos. Nessa obra, Hatoum demonstra grande domínio da técnica da ficção, num estilo mais enxuto que o da primeira obra e, ao mesmo tempo, repleto de nuanças e sutilezas. Milton Hatoum volta ao romance com um drama familiar em cujo centro estão dois filhos de imigrantes libaneses: os gêmeos Yaqub e Omar. O enredo do romance trata, basicamente, do (não) relacionamento entre os irmãos. 

GÊNERO - ROMANCE DE COSTUMES - Dois irmãos é um romance de costumes. Por causa do ambiente em que a história transcorre, pode também ser classificado de romance urbano. 

TÍTULO - GÊMEOS IDÊNTICOS - O título da obra faz referência às duas personagens principais, Yaqub e Omar, irmãos gêmeos, idênticos no físico, mas opostos nas atitudes e no caráter. Movidos pela rivalidade, vão destruindo as relações pessoais e familiares, semeando discórdia, inveja, vingança e ódio.

DIVISÃO DA OBRA - DOZE CAPÍTULOS - Dois irmãos é romance dividido em 12 capítulos (sem títulos), com um pequeno preâmbulo que, aguçando a curiosidade do leitor, relata cenas do fim da história.

ESCOLA LITERÁRIA - LITERATURA CONTEMPORÂNEA - Dois irmãos foi publicado em 2000; pertence, pois, ao Modernismo brasileiro. É obra da literatura contemporânea, do Pós- Modernismo como querem alguns, seguindo a linha da literatura que valoriza a linguagem simples, mas com elevado grau de arte e de correção gramatical.

CENÁRIO

§  MANAUS - O cenário principal do livro é a cidade de Manaus, valorizando o porto dos Remédios, o Centro, os bairros e as praças mais antigos, com especial destaque para as atividades do comércio.

§  LÍBANO - O autor faz referência ao sul do Líbano, de onde provieram os chefes de família e para onde foi Yaqub contra sua vontade.

§  SÃO PAULO - A cidade de São Paulo também é cenário de referência: lá, Yakub formou-se em Engenharia, constituiu família e fixou residência.


TEMÁTICA - CASA DEMOLIDA - O tema principal do romance é o drama familiar demolindo as vidas e, por consequência, o lar. O enredo é centrado na história de dois irmãos gêmeos - Yaqub e Omar - e suas relações com a mãe, o pai e a irmã. Moram na mesma casa Domingas, empregada da família, e o filho dela (que, mais tarde, se torna o narrador), um menino cuja infância é moldada justamente por esta condição: ser o filho da empregada. AMOR INCESTUOSO - Apesar de não está escrito com todas as letras, deduz-se que o amor doentio da mãe (Zana) pelo filho mais novo (Omar) tem muito de incesto: ela o quer só para si, ignorando, a partir de certo momento, a relação com o próprio marido. Na mesma linha, classifica-se o amor de Rânia pelos irmãos gêmeos.

FOCO NARRATIVO

NARRADOR-PERSONAGEM- A história é narrada na primeira pessoa, mas o narrador não é o herói principal. Nael (o nome só é revelado quase no fim da história) valeu- se do que viu, do que ouviu e, principalmente, do que lhe contaram sobre a família de que fez parte. A função do narrador é olhar para o passado e tentar juntar pedaços do que lhe foram contando até formar a história como um todo.

LINGUAGEM

FRASES CURTAS - Para narrar, Milton Hatoum vale- se das frases curtas, ligeiras, com pouca fantasia ou adjetivação, imprimindo clareza e sobriedade. O vocabulário té comum, condizendo com a literatura contemporânea. Isso garante inteira identidade entre o autor e o leitor.

CORREÇÃO GRAMATICAL - No plano artístico, a linguagem de Milton Hatoum exibe simplicidade e correção gramatical, elevando o texto à condição de obra de arte.

TEMPO - PRESENTE x PASSADO - A narrativa começa na década de 1920 e, aos saltos, chega aos anos 60. A história começa pelo fim: narra-se, antes do primeiro capítulo, a morte de Zana, mãe dos gêmeos. O narrador viveu, viu e ouviu todos os acontecimentos. Uns trinta anos depois, resolveu pôr no papel os fragmentos que lhe vinham à memória. A oscilação entre presente e passado é recurso comum na narrativa.

Personagens 


§  NAEL – narrador da história, seu nome é revelado apenas na metade do livro. É filho da índia Domingas, empregada da casa, com um dos gêmeos. De sua posição de agregado, ao mesmo tempo secundária e privilegiada, transmite os acontecimentos ao leitor.


§  OMAR – um dos gêmeos. Por ter sido o segundo a nascer, é chamado pelo narrador de Caçula. Sua relação muito estreita com a mãe sugere o incesto. Indisciplinado e intempestivo, é capaz de ações inesperadas e corajosas.


§  YAQUB – o irmão gêmeo de Omar. Introvertido e dedicado aos estudos, revela-se na juventude um grande conquistador. Parece sofrer com a preferência da mãe pelo irmão.


§  ZANA – mãe dos gêmeos e de Rânia. Mulher bela e de temperamento forte, é apaixonada por Omar.


§  HALIM – marido de Zana, apreciador dos prazeres da vida e nostálgico, mas também forte e corajoso. O tempo parece não influenciar a intensidade do amor que sente pela mulher.


§  RÂNIA – irmã mais nova dos gêmeos, decide não se casar e dedicar-se inteiramente ao comércio.


§  DOMINGAS – índia que Halim e Zana haviam tirado de um orfanato ainda criança, é empregada da família e mãe de Nael. 

 

Dois Irmãos, de Milton Hatoum, inicia-se com a chegada de Yaqub do Líbano, que foi mandado para lá aos 13 anos, por ordem do pai. Após cinco anos fora de casa, Yaqub se torna um rapaz calado e cheio de mistérios. Na sala de aula se torna um aluno exemplar, foi continuar os estudos em São Paulo onde se estabilizou e constituiu família. Omar, seu irmão, que sempre dedicou-se a vida boemia, foi mandado para São Paulo para tentar prosperar assim como o Yaqub, mas quando chega na cidade descobre que a esposa do irmão era Lívia, a paixão de infância dos gêmeos. Omar fez desenhos obscenos nas fotografias do casamento e fugiu para os Estados Unidos com o passaporte e o dinheiro de Yaqub. Este já não era muito amigo do Caçula, por causa dos acontecimentos passados, se irrita mais com Omar por causa do novo episódio. Pouco tempo depois Halim, pai dos gêmeos, falece, o Omar faz amizade com Rochiram, um indiano que pretendia construir um hotel em Manaus. Zana, a mãe dos gêmeos e protetora de Omar, na tentativa de unir os filhos, manda uma carta para Yaqub, que tinha se tornado engenheiro, para poder trabalhar junto com o irmão, porém Yaqub ignorou a participação de Omar. O Caçula irado espancou o irmão mandando o para o hospital. Yaqub entra com um processo contra o irmão, que acaba sendo preso e condenado dois anos e sete meses. Enquanto isso Rânia, irmã dos gêmeos, toma conta dos negócios do pai e cuida da mãe. Ela não aprovou a ação do Yaqub e pediu que tirasse a queixa contra o Omar, mas isso não aconteceu. Rochiram comunica a Rânia que ela deverá vender a casa da mãe para poder pagar as dividas dos irmãos. A casa é vendida, porém o quartinho do fundo continua sendo de Nael, filho da empregada que ajudara toda a família e que já havia falecido. Nael o narrador da história busca até o último capítulo a identidade do seu pai, sendo que este era um dos gêmeos.   

O ponto de onde é feita a narração é uma posição bastante privilegiada e natural para o desenvolvimento da história. O narrador é um personagem, coisa que não sabemos de imediato, mas no desenvolvimento do livro. O narrador é, na verdade, o filho bastardo de um dos gêmeos com a empregada que mora no fundo da casa dos pais deles. Essa posição próxima, porém não íntima, e o interesse do narrador em descobrir quem é seu pai, o torna o narrador ideal para este romance. 

Narrado em primeira pessoa, a história se passa em Manaus de 1910 a 1960. Os dois irmãos nunca se entendem, até que Yaqub é obrigado a ir para o Líbano. Quando volta, cinco anos depois, sente-se deslocado dentro de sua própria família, enquanto as intrigas continuam. Aliás, o sentimento de deslocamento é o que sustenta a narrativa, e traz o drama familiar para a esfera do universal. 

Segundo Hatoum, o imigrante é um sujeito dividido, sofre de uma espécie de dualidade do lar, da pátria. Nesse sentido, os dois irmãos funcionam como uma metáfora dessa dualidade. Um se identificando mais com o Brasil e o outro se sentindo estrangeiro, diferente, muitas vezes sendo referido apenas como “o outro” pelo Narrador, que, por sua vez, também é um deslocado, filho da empregada com um dos gêmeos, mas sem saber qual deles. 

Entre esse duelo fraternal, Hatoum ainda constrói a dificuldade de um homem apaixonado pela esposa, que perde a atenção dela para os filhos; um filho bastardo que tenta descobrir qual dos gêmeos é seu pai; a história do imigrante de origem árabe no Brasil e a expansão comercial da região norte; e o retrato de uma sociedade pequeno burguesa, que se mostra tão previsível no norte do Brasil, quanto na França, dos escritores de grande influência para o autor manauara, Flaubert e Balzac (juntamente ao norte-americano William Faulkner). 

Esses temas vão se dissolvendo com o passar do tempo da história. Mas não perdendo em importância ou se resolvendo e sim, se entranhando cada vez mais à narrativa. Uma tensão leve é a convidada cativa do texto de Hatoum, que se faz presente em todo o livro. As páginas a serem lidas vão rareando nas mãos e as soluções são, no máximo, indicadas. Aliando essa tensão à fluência textual (no melhor estilo de seus autores de influência), Hatoum nos conta uma história isenta de lições moralizantes ou advertências. O que nos toma ao final da leitura é um sentimento de incompletude e incerteza. Espaços em aberto. Muitas perguntas, muitas possibilidades, poucas certezas. Esse espaço de incerteza é que fascina no momento da leitura e não frustra ao deixar perguntas. É a máquina narrativa de Hatoum, funcionando direitinho. 

Enredo 

No início do século XX, Manaus, a capital da borracha, recebeu estrangeiros como o jovem Halim, aprendiz de mascate, e Zana, uma menina que chegou sob a asa do pai, o viúvo Galib, dono de um restaurante perto do porto. Halim e Zana vão gerar três filhos: Rânia, que não vai casar nunca, e os gêmeos Yaqub e Omar, permanentemente em conflito. O casarão que habitam é servido por Domingas, a empregada índia, e mais tarde também pelo filho de pai desconhecido que ela terá. Esse menino — o filho da empregada — será o narrador. Trinta anos depois dos acontecimentos, ele conta os dramas que testemunhou calado. Omar é o beberrão boêmio, mimado, conquistador e revolucionário. Yaqub é o engenheiro que construiu sua vida independentemente de ajuda, magoado com a família, tímido, conservador e que se muda de Manaus (cenário da história) para São Paulo. Essa diferença de personalidade faz parte do pacote ‘história de irmãos gêmeos’. Assim como a constante competição entre eles.  

Dois irmãos é a história de como se faz e se desfaz a casa de Halim e Zana. Apaixonado pela mulher, depois do nascimento dos filhos Halim se condena à nostalgia dos tempos em que não era pai, em que não precisava disputar o amor de Zana, em que os dois tinham todo o tempo do mundo para deitar na rede do alpendre e se entregar aos prazeres sensuais. Pelo que nos conta o narrador, Halim estará sempre à espera da decisão mais acertada diante dos abismos familiares: a desmedida dedicação de Zana a Omar, seu filho preferido; o trauma de Yaqub, o filho que, adolescente, foi separado da família supostamente para amenizar os conflitos com Omar; a relação amorosa entre os gêmeos e a irmã, Rânia. De Domingas, com quem compartilhava o quartinho nos fundos do quintal, o narrador nos diz que esta é uma mulher que não fez escolhas. Aparentemente, não escolheu nem mesmo o pai de seu filho. Milton Hatoum faz os dramas da casa estenderem-se à cidade e ao rio: Manaus e o Negro transformam-se em símbolos das ruínas e da passagem do tempo. E, pela voz de um narrador solitário, revive também os tempos sombrios em que as praças manauaras foram ocupadas por tanques e homens de verde. Esses tempos foram responsáveis pelo destino trágico de um grande personagem do livro: o professor Antenor Laval.

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