TEXTO
FACISMO
SOCIAL NO PAÍS DO SOCIÓLOGO
A definição dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil está no artigo 3o de nossa
Constituição. São todos de grande nobreza e esperança. Valem como pólos de
concentração ideal para o povo, como destinos a serem alcançados pelo Brasil,
na permanente viagem de nossos sonhos.
O primeiro desses objetivos
consiste em realizar uma sociedade livre, justa e solidária. Para ser livre, a
sociedade terá liberdades públicas asseguradas a todos. Cidadania livre é
cidadania sem intervenção excessiva do poder. No país das medidas provisórias,
o cidadão acorda tolhido, dia após dia, com e sem “apagões” e “caladões”. Para
que a sociedade possa ser tida por justa, é
necessário diminuir as distâncias sociais, com pobres menos pobres. Depois
que a moeda se estabilizou, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, honra
seja feita, houve melhora nesse campo, mas o Brasil ainda é dos mais atrasados
no mundo na satisfação das necessidades sociais do ser humano.
A solidariedade proclamada
no texto constitucional deve ser espontânea, colhida na consciência de cada um
e, pelo menos, da população mais aquinhoada em favor dos que têm pouco. A
solidariedade do artigo 3o da Constituição precisa, porém, ser catalisada pelo
Estado para o trabalho espontâneo em favor dos menos favorecidos. O objetivo
social exigirá da administração pública e de seus funcionários que atuem em
favor dos cidadãos, com eles e não contra eles, como se os considerassem
inimigos. O desenvolvimento nacional, segunda das grandes metas do país, tem
ido bem no plano econômico. Progredimos em termos materiais, mas não o quanto
baste.
O terceiro e o quarto
objetivos fundamentais, previstos no artigo 3o, são projetos de um sonho
estratosférico. Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir desigualdades
sociais e regionais é trabalho para séculos. Não há nação do mundo sem faixas
de miserabilidade - nem as mais ricas. A promoção do bem de todos, sem
preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação carece de remédio forte, como criminalização das condutas
contrárias. Sem a ameaça grave de sanções, a cobra raivosa do preconceito
continuará agindo no coração de muitas pessoas.
A Carta proíbe a
discriminação entre o homem e a mulher (artigo 5o, I, e artigo 226, parágrafo
5°), contra as liberdades fundamentais, e a prática do racismo (artigo 5o,
incisos XLI e XLII). No trabalho, veda distinções quanto ao salário, ao
exercício de funções e aos critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor
ou estado civil (artigo 7o, inciso XXX). O sociólogo português Boaventura de
Souza Santos, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
falando recentemente a esta Folha, verberou
a polarização da riqueza em muitos países, inclusive no nosso, em condições
parecidas com a dos Estados fascistas tradicionais. Exemplificou com grupos
criminosos que substituem o Estado em certas regiões (vide o PCC) e com a parte
corrupta da polícia, colaboradora do crime organizado, não se sabendo onde
acaba a administração pública e começa a sociedade.
Boaventura lembra a
incapacidade de redistribuição da riqueza, permitindo que o capitalismo opere
contra o pobre, e não a favor dele. Chama essa situação de fascismo social.
Neste país, presidido por um sociólogo, precisamos meditar sobre as
insuficiências gerais e as do direito em particular, afirmadas pelo sábio
sociólogo português. Meditar para corrigi-las.
(Walter Ceneviva - Folha de São Paulo, 16/06/01)
01. Ao
dizer que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são “de
grande nobreza e esperança”, o autor do texto quer dizer que:
a) nossos objetivos constitucionais estão fora da
realidade atual de nosso país.
b) apesar de serem nobres, os objetivos
constitucionais até hoje não foram atingidos.
c) por serem nobres, esses objetivos só poderão ser
alcançados com a mudança profunda da sociedade brasileira.
d) eles representam, por sua nobreza, algo que
dificilmente será atingido pelo povo brasileiro.
e) os objetivos constitucionais mostram algo nobre que
funciona como ponto ideal de chegada.
02. “Valem
como polos de concentração ideal para o povo, como destinos a serem alcançados
pelo Brasil, na permanente viagem de nossos sonhos”; neste segmento do texto,
os vocábulos que se aproximam semanticamente são:
a) ideal / sonhos
b) polos / viagem
c) povo / Brasil
d) viagem / Brasil
e) concentração / ideal
03. No que
diz respeito aos objetivos fundamentais do Brasil, presentes no artigo 3o de
nossa Constituição, podemos dizer, segundo o texto, que:
a) o primeiro dos objetivos só será atingido se a
liberdade, a justiça e a solidariedade brotarem espontaneamente do povo.
b) o segundo desses objetivos já foi alcançado, apesar
de algumas injustiças sociais.
c) o terceiro e o quarto objetivos só serão alcançados
após um trabalho de séculos.
d) o quarto objetivo vai de encontro à cobra raivosa
do preconceito, que ainda age no coração de muitos.
e) para se alcançarem os objetivos constitucionais é
indispensável a criminalização das condutas contrárias.
04. O
segmento do texto que NÃO mostra, explícita ou implicitamente, uma crítica ao
governo atual é:
a) “Cidadania livre é cidadania sem intervenção
excessiva do poder.”
b) “No país das medidas provisórias, o cidadão acorda
tolhido, dia após dia, com e sem ‘apagões’ e ‘caladões’
c) “O terceiro e o quarto objetivos fundamentais,
previstos no artigo 3o, são projetos de um sonho estratosférico.”
d) “O objetivo social exigirá da administração pública
e de seus funcionários que atuem em favor dos cidadãos, com eles e não contra
eles,...”
e) “Neste país, presidido por um sociólogo, precisamos
meditar sobre as insuficiências gerais e as do direito em particular...”
05. Ao
apelar para o depoimento do sociólogo português Boaventura de Souza Santos, o
articulista pretende:
a) demonstrar a força do jornal para o qual trabalha,
indicando a qualidade de seus
colaboradores.
b) comparar, por oposição, o pensamento de um sociólogo
português com o de um sociólogo brasileiro, o Presidente da República.
c) dar autoridade e credibilidade às opiniões
veiculadas pelo artigo.
d) condenar a discriminação de raça, sexo, cor e idade
que aparecem em nossa sociedade.
e) indicar o retrocesso de nosso país, comparando a
nossa situação com a de outros países do primeiro mundo.
06. “...são
projetos de um sonho estratosférico.”; no contexto em que está inserido, o
vocábulo sublinhado equivale semanticamente a:
a) revolucionário
b) utópico
c) superior
d) ultrapassado
e) superado
07.
“...verberou a polarização da riqueza em muitos países...”; com essa frase o
articulista quer dizer que o economista português:
a) já apontou, em muitos países, a má distribuição da
riqueza.
b) condenou a concentração da riqueza que ocorre em
muitos países.
c) mostrou a concentração da riqueza na mão de poucos,
que ocorre em muitos países.
d) abordou a má distribuição da renda nacional que
existe em muitos países.
e) criticou, em muitos países, que a produção
econômica se tenha reduzido a um só produto básico.
08.
“...carece de remédio forte, como criminalização das condutas contrárias”; o
remédio proposto pelo jornalista é que:
a) sejam consideradas criminosas todas as pessoas que
praticarem qualquer tipo de discriminação.
b) ele seja idêntico ao que é adotado para crimes
hediondos.
c) todos os que se opuserem às novas medidas de força
sejam considerados criminosos.
d) se considerem criminosos os que se oponham aos
objetivos fundamentais de nossa Constituição.
e) se contrariem todas as condutas que,
criminosamente, defendam a discriminação.
09. Os
primeiros parênteses empregados no penúltimo parágrafo do texto foram
utilizados para:
a) explicitar a ideia anterior.
b) localizar a proibição citada.
c) acrescentar informações ao texto.
d) documentar o artigo com textos de autoridade.
e) comprovar a opinião do jornalista.
10. “...que
substituem o Estado em certas regiões (vide o PCC) e com a ! parte corrupta da
polícia,...”; vide é forma latina
correspondente ao verbo “ver”. O latinismo a seguir que tem seu significado
corretamente indicado é:
a) sic - nunca
b) et alii - e assim
c) ad hoc - isto é
d) lato sensu - em sentido restrito
e) verbi gratia - por exemplo
11. O texto
que serve de motivo a esta prova pode ser classificado, de forma mais adequada,
como:
a) argumentativo opinativo
b) narrativo moralizante
c) expositivo informativo
d) argumentativo polêmico
e) expositivo didático
Gabarito:
01. Letra e - No trecho, o autor somente destaca a
nobreza e a esperança trazidas pelos objetivos fundamentais. Os comentários
feitos nas quatro primeiras alternativas fogem a essa colocação simples. O
trecho não fala de mudanças necessárias, da impossibilidade de eles serem
alcançados ou do fato de ainda não terem se tornado realidade. Não importa que
ao longo do texto muitas coisas sejam colocadas nesse sentido. A letra e é a resposta pois fala de algo nobre,
como na passagem, e do ponto de partida, que pode ser associado à esperança.
02. Letra a - Todo ideal é um sonho, que pode ou
não realizar-se. A concentração ideal é, assim, um sonho.
03. Letra d - O quarto objetivo está exposto pelo
autor no trecho: “A promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação...”. Mais adiante
diz que, se não houver graves sanções impostas às condutas contrárias, “a cobra
raivosa do preconceito continuará agindo no coração de muitas pessoas”. Assim,
observa-se que tais pessoas são contrárias, por seu preconceito, ao quarto
objetivo. Na letra d, o autor usou a locução de encontro a para expressar essa ideia contrária. Não a confunda
com outra, parecida: ao encontro de, que
não encerra qualquer valor de oposição. Por exemplo: ele foi ao encontro do amigo (na direção do amigo, para abraçar o
amigo etc.) é diferente de ele foi de
encontro ao amigo (esbarrou no amigo, ou foi contrário às ideias do amigo).
04. Letra c - Na opção c, gabarito da questão, o
sonho estratosférico representa a opinião do autor a respeito dos objetivos
terceiro e quarto, não tem nenhuma relação com a postura do governo. Nas
outras, há sempre uma crítica ao governo atual.
05. Letra c - Referir as palavras de alguém
especialista naquilo que o artigo expõe confere, sem dúvida, mais
credibilidade. Imaginem que a revista tivesse veiculado a opinião de uma pessoa
de outro ramo do saber, ou até, pegando-se um extremo, de um indivíduo
iletrado, mesmo que de boa vontade. Os leitores não confiariam no que ele
dissesse. Tratando-se, como é o caso, de um sociólogo, professor da
Universidade de Coimbra, o artigo ganha maior respeito por parte de seus
leitores.
06. Letra b - Como a estratosfera, camada situada
acima de 12.000 metros ,
é de difícil acesso, o adjetivo estratosférico
passou a indicar aquilo que é impossível de se atingir. Utópico quer dizer exatamente
irrealizável, quimérico. Por isso, no trecho, os vocábulos são sinônimos.
07. Letra b - É uma questão de paráfrase. Verberar pode significar condenar, polarização é o mesmo que concentração; além dessas trocas, houve
o acréscimo de que ocorre, que
estava subentendido no trecho destacado. Não houve, portanto, mudança de
sentido.
08. Letra a - Se você voltar ao texto, vai
verificar que as condutas são contrárias ao 4o objetivo fundamental, previsto
no artigo 3o da Constituição. Esse objetivo trata da discriminação de toda
espécie. O remédio (meio adequado e lícito para se alcançar determinado fim de
direito, segundo o Aurélio) proposto pelo jornalista é exatamente a
criminalização dessas condutas contrárias, ou seja, que as pessoas sejam
apenadas, punidas pela prática de qualquer tipo de discriminação.
09. Letra b - Os parênteses são usados em inúmeras
situações. Aqui servem para mostrar em que artigos (e suas divisões) fica
proibida a discriminação entre homem e mulher.
10. Letra e - Os significados dos latinismos são os
seguintes: sic – assim mesmo; et alii - e outros; ad hoc - para isso; lato sensu - em sentido amplo. A letra e está perfeita: verbi gratia corresponde ao português por exemplo.
11. Letra a - O texto é uma dissertação, pois está baseado nas ideias. Assim, como qualquer dissertação, apresenta os argumentos do autor. É apenas opinativo, não chega a criar polêmicas. Daí a resposta ser a letra a. Na realidade, bastaria que se dissesse argumentativo. A palavra opinativo poderia ser dispensada, por redundante.
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