Sagarana - Resumo
Sagarana, publicado em 1946, reúne contos do
escritor Guimarães Rosa. Confira resumos dos contos do livro:
1. O burrinho pedrês. O fazendeiro Major Saulo determina que seus
homens levem uma grande quantidade de bois para comercialização em uma cidade
distante. Para cumprir a tarefa, convoca seus vaqueiros mais experientes,
montados em cavalos jovens e fortes. Acompanha a condução o burrinho
Sete-de-Ouros, velho e fraco. Depois de uma chuva torrencial, um pequeno
riacho, que foi facilmente superado na ida, torna-se rio caudaloso no retorno
dos vaqueiros à fazenda. O único animal a escapar da correnteza é justamente o
burrinho, que conta com sua experiência para poupar suas forças e deixar-se
levar pelas águas ao invés de tentar lutar contra elas, como fizeram os outros.
2. A volta do marido
pródigo (Traços biográficos de Lalino Salãthiel). O mulato Lalino Salãthiel vive no interior
de Minas mas sonha com aventuras amorosas em terras cariocas. Junta algum
dinheiro e parte, deixando para trás a esposa Maria Rita. Depois de algum
tempo, terminam o dinheiro e a empolgação, e ele retorna. Encontra Maria Rita
envolvida com o espanhol Ramiro. Lalino se envolve então nas disputas políticas
locais e, com a vitória de seu candidato, consegue a expulsão dos estrangeiros.
Alcança também o perdão de Maria Rita.
3. Sarapalha. Os primos Ribeiro e Argemiro vivem isolados,
com seu cachorro Jiló, em Sarapalha, lugarejo do interior de Minas Gerais.
Sofrem com a malária, doença que lhes provoca febre e tremedeiras. Para
Ribeiro, a dor maior vem do fato de ter sido abandonado pela esposa Maria
Luísa, que fugiu com outro homem. Durante as intermináveis conversas que mantêm
para tentar distrair da doença, Argemiro confessa ter sentido igual amor pela
moça, embora sem jamais faltar com o respeito ao primo. Ribeiro, decepcionado
com o que considera uma traição, expulsa o parente de suas terras.
4. Duelo. Voltando de uma pescaria mal sucedida, Turíbio
Todo flagra sua mulher Dona Silivana com o ex-militar Cassiano Gomes. Contém
seu ímpeto e adia a vingança. No entanto, ao executá-la, acaba por assassinar o
irmão de Cassiano, fugindo em seguida. Segue-se uma grande perseguição pelo
interior de Minas, que dura até Turíbio se retirar para São Paulo. Cassiano,
sofrendo do coração, é obrigado a interromper sua busca no lugarejo do
Mosquito. Ali, torna-se amigo de Timpim Vinte-e-Um, homem simples que recebe o
auxílio financeiro de Cassiano para comprar remédio para sua família. Em troca,
Cassiano, pouco antes de morrer, pede a Timpim que vingue seu irmão. Turíbio
fica sabendo da morte de seu perseguidor e retorna a Minas. No caminho para a
casa de Silivana, encontra Timpim, que cumpre a promessa feita a Cassiano.
5. Minha gente. O narrador é um inspetor escolar que, de
férias, visita a fazenda de seu Tio Emílio no interior de Minas. Lá, reencontra
a prima Maria Irma, namorada de infância, e tenta retomar a aventura amorosa. A
moça consegue fazer com que a atenção do primo seja atraída para a amiga
Armanda, noiva de Ramiro, rapaz pretendido por ela. O narrador, aficionado do
jogo de xadrez, se vê vítima de uma jogadora perspicaz nas estratégias
amorosas. Ela consegue fazer com que Armanda se interesse pelo narrador,
deixando Ramiro livre para ela. O final feliz é composto pelo duplo casamento.
6. São Marcos. Izé, o narrador, faz pouco caso das
crendices populares, não perdendo a oportunidade de passar diante da casa de
certo João Mangolô, negro tido como feiticeiro, para zombar de seus feitos.
Durante um passeio, vê-se repentinamente cego. Seguindo certa lenda, reza a
oração de São Marcos, que tem fama de ser poderosa. Orientado pelo olfato, pela
audição e pelo tato, aproxima-se da casa do feiticeiro. Consegue avançar sobre
este e recupera a visão no momento em que o negro retira a venda dos olhos de
um boneco. Izé se despede de Mangolô e parte, agora um pouco mais crédulo.
7. Corpo fechado. No lugarejo da Laginha vive Manuel Fulô, que
tem duas paixões: sua noiva Das Dores e uma mulinha de estimação, a Beija-Fulô,
cobiçada por Antonico das Pedras, que tem fama de feiticeiro. Targino, um
valentão local, avista Das Dores e comunica a Manuel Fulô o desejo de dormir
com ela antes do casamento. Para impedir essa ofensa, Manuel teria que
enfrentar o valentão. O narrador, médico local e amigo de Manuel Fulô, não
encontra meio de ajudá-lo. O rapaz recorre a Antonico, que fecha seu corpo com
feitiço. No duelo com Targino, Manuel escapa por milagre dos tiros que lhe são
dirigidos e fere mortalmente o rival com uma pequena faca. Depois desse feito,
torna-se o novo valentão do lugar.
8. Conversa de bois. O menino Tiãozinho vive um drama: seu pai,
entrevado, nada pode fazer contra os amores que a esposa mantém com Agenor Soronho,
condutor de carros de boi. Quando o pai morre, Tiãozinho ajuda a transportar o
corpo a um cemitério próximo, com outras mercadorias. Pelo caminho, Agenor
prenuncia a vida que o menino teria dali por diante, agora sob suas ordens, na
condição de padrasto. A crueldade que Agenor demonstra para com o menino,
manifesta-se também no trato com os bois de carga. Estes se comunicam entre si
e articulam uma forma de matar o carreiro. Aproveitam-se de um cochilo de
Agenor e, sacudindo o carro, derrubam-no e passam com as rodas sobre ele. Sem
desconfiar de nada, Tiãozinho se desespera, enquanto os bois lançam berros
triunfais.
9. A hora e a vez de
Augusto Matraga. Augusto
Esteves é um fazendeiro de comportamento violento. Gasta dinheiro com jogos e
prostitutas, maltrata a esposa Dionóra, despreza a filha e enfrenta seus
opositores com a ajuda dos capangas que o acompanham. A esposa foge com outro
homem, enquanto seus empregados o abandonam, reclamando o pagamento de salários
atrasados. Augusto vai tirar satisfações e acaba agredido por eles. Durante a
surra, atira-se de um barranco e é dado como morto. No entanto, é encontrado
por um casal de negros que cuida dele.
Durante a convalescença,
Augusto reflete sobre sua vida e se penitencia dos pecados cometidos. Recuperado,
parte para uma pequena propriedade que possui no Tombador, lugar distante,
passando a servir o casal de negros, trabalhando arduamente. Certo dia, aparece
no lugar o cangaceiro Joãozinho Bem-Bem, que simpatiza com Augusto e o convida
a participar de seu bando. Augusto recusa. Tempos depois, sente irresistível
desejo de partir. Segue sem rumo, até reencontrar o bando de cangaceiros no
lugarejo do Rala-Coco. Quando vê a ameaça de Joãozinho Bem-Bem de fazer mal a
um homem velho e à sua família, Augusto sente que chegou sua hora de concluir a
remissão de seus pecados. Enfrenta o bando e vence o líder, morrendo em
seguida.
Análise
A produção escrita de
Guimarães Rosa se caracteriza por dois aspectos fundamentais. Em primeiro
lugar, pela tendência a conferir tratamento universal a temas de ambientação
regional, quase sempre ligados ao interior de Minas Gerais. Em segundo lugar,
pela linguagem inventiva elaborada pelo escritor, e que se tornou sua marca
registrada.
A marca regionalista é
evidente em Sagarana: as histórias se passam todas no interior de Minas
Gerais. Além disso, há muito da cultura mineira na transmissão oral das
histórias, veiculadas por contadores de causos, como ocorre entre os
vaqueiros de “O burrinho pedrês” e os animais de “Conversa de bois”. Isso sem
contar os assuntos abordados, que atendem ao gosto das histórias populares:
violência, traição, mistério etc. Muitas vezes, a cultura urbana e civilizada
de alguns narradores em primeira pessoa (“Minha gente”, “São Marcos” e “Corpo fechado”)
é colocada em xeque, encurralada pela sabedoria sertaneja, mais competente para
lidar com os fatos inexplicáveis que se sucedem nas tramas.
Mas sob cada narrativa existe
a mensagem transcendental, que alarga as fronteiras locais para alcançar uma
dimensão universal. Assim, o tema de “O burrinho pedrês” é a valorização da
experiência; em “A volta do marido pródigo”, temos o elogio da esperteza e do
senso de oportunidade; em “Sarapalha”, a temática da traição não perdoada; em
“Duelo”, a sugestão de que o destino do homem escapa de seu próprio
controle.
Também a linguagem supera sua
matriz regional, para fazer-se universal na estilização da fala sertaneja. Esta
constitui, de fato, o ponto de partida: a oralidade e o ritmo aludem ao falar
mineiro. Mas o estilo vai além: agrega o vocabulário e o ritmo trêmulo da
doença em “Sarapalha”; aciona todos os sentidos nas sinestesias de “São
Marcos”; e encontra mesmo espaço para a reflexão metalinguística no duelo
poético que constitui uma trama paralela em “São Marcos”. O próprio título do
livro exemplifica um dos procedimentos linguísticos mais importantes da obra de
Guimarães Rosa, o neologismo: ele é formado pela junção da expressão nórdica Saga
(= lenda), com a terminação tupi rana (= à maneira de).
Esse título é bastante feliz,
as histórias são contadas “como se fossem lendas”, o que sugere que talvez não
sejam. De fato, as narrativas de Sagarana oscilam entre o real e o
irreal. Há, inclusive, a fábula de “Conversa de bois”, na qual os animais se
comunicam. Tão surpreendentes quanto essas circunstâncias são alguns dos heróis
das narrativas, como o personagem-título de “O burrinho pedrês”, os animais de
“Conversa de bois” e o anti-herói Lalino de “A volta do marido pródigo”.
Personagem inesquecível é
Augusto Matraga, do último conto do volume. Sua trajetória, da incapacidade de
compreender recados místicos até o pleno entendimento dos mistérios da
existência, que o leva, no momento da morte, a encarnar a justiça divina de
forma inusitada, tornam o personagem figura obrigatória de qualquer antologia
da literatura brasileira.
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