Lucíola - José de Alencar - Resumo
Lucíola é o quinto romance de Alencar e o primeiro da trilogia que ele
denominou de "perfis de mulheres" (Lucíola, Diva e Senhora). Situa-se
entre seus romances urbanos que representam um levantamento da nossa vida
burguesa do século passado mais considerável do que o levado a efeito por
Machado de Assis, na opinião de Heron de Alencar. Fixam o Rio de Janeiro
da época, com a sua fisionomia burguesa e tradicional, com uma sociedade
endinheirada que frequentava o Teatro Lírico, passeava à tarde na Rua do
Ouvidor e à noite no Passeio Público, morava no Flamengo, em Botafogo ou Santa
Teresa e era protagonista de dramas de amor que iam do simples namoro à paixão
desvairada.
Em todos os romances urbanos, Alencar aborda o amor como tema central. Ou, para ser mais exato, "aborda a situação social e familiar da mulher, em face do casamento e do amor" segundo Heron de Alencar. Mas o amor como o entendia a mentalidade romântica da época, "um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, mas redimindo-se pela própria força acrisoladora de sua intensidade e de sua paixão." (Oscar Mendes, in José de Alencar - romances urbanos, Rio de Janeiro, Agir, 1965, Col. Nossos Clássicos - p.10).
Baseando-se na enorme aceitação de Alencar junto ao público, Antônio
Cândido comprova a existência de pelo menos dois Alencares:
O Alencar dos rapazes, heroico,
altissonante, criando heróis como Peri, Ubirajara, Estácio Correia (As Minas de
Prata), Manuel Canho (O Gaúcho), Arnaldo Louredo (O Sertanejo).
O Alencar das mocinhas,
gracioso, às vezes pelintra, outras, quase trágico, criador de mulheres
cândidas e de moços impecavelmente bons, que dançam aos olhos do leitor uma
branda quadrilha, ao compasso do dever e da consciência, mais fortes que a
paixão. As regras desse jogo bem conduzido exigem inicialmente um
obstáculo, que ameace a união dos namorados, sem contudo destruí-la. Todavia,
há pelo menos um terceiro Alencar, o que se poderia chamar dos adultos, formado
por uma série de elementos pouco heroicos e pouco elegantes, mas detonadores
dum senso artístico e humano que dá contorno aquilino a alguns dos seus perfis
de homem e de mulher. Este Alencar, difuso pelos outros livros, se contém mais
visivelmente em Senhora e, sobretudo, LUCÍOLA, únicos livros, em que a mulher e
o homem se defrontam num plano de igualdade, dotados de peso específico e capaz
daquele amadurecimento interior inexistente nos outros bonecos e bonecas."
(in Formação da Literatura Brasileira, 4ª ed., São Paulo, Martins, 1971,
2º vol. P.222).
O AMOR DE LÚCIA E PAULO
LUCÍOLA, publicado em 1862, é
um romance de amor bem ao sabor do Romantismo, muito embora uma ou outra
manifestação do estilo Realista aí se faça presente. Trata-se de um romance de
"primeira pessoa", ou seja, o narrador da história é um personagem
importante da mesma, Paulo Silva. E ele a narra em cartas dirigidas a uma
senhora, G. M. (pseudônimo de Alencar), que as publica em livro com o título de
LUCÍOLA.
Paulo Silva, o
personagem-narrador, é um rapaz de 25 anos, pernambucano, recém-chegado ao Rio
de Janeiro, em 1855, com a intenção de aí se estabelecer. No dia mesmo de sua
chegada à corte (Rio de Janeiro), após o jantar, sai em companhia de um amigo
para conhecer a cidade. Na rua das Mangueiras vê passar em um carro uma jovem
muito bela. Um imprevisto faz parar o carro, dando a Paulo a oportunidade de
repará-la melhor. Dia após, em companhia de outro amigo, o Dr. Sá, Paulo
participa da festa de N. Senhora da Glória, quando lhe aparece a linda moça.
Informando-se do amigo, fica sabendo tratar-se de Lúcia, a prostituta mais
bela, requintada e disputada da cidade. Mas ele se impressiona com a
"expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo
quando os lábios dessa mulher revelam a cortesã franca e impudente."
Mais ou menos um mês após sua chegada, Paulo vai à procura de Lúcia, levado, é claro pelo desejo de possuir aquela linda mulher. Após longa e agradável conversa, acaba se surpreendendo com o "casto e ingênuo perfume que respirava de toda a sua pessoa". A um mínimo lance de seus seios, "ela se enrubesceu como uma menina e fechou o roupão" discretamente. E ele, que fora quente de desejos, agora, na rua, se acha ridículo por não haver ousado mais. Além do que, o Dr. Sá lhe confirmara que "Lúcia é a mais alegre companheira que pode haver para uma noite, ou mesmo alguns dias de extravagância."
No dia seguinte Paulo está de volta à casa da heroína. Ao seu primeiro
ataque, Lúcia se opõe com duas lágrimas nos olhos. Supondo ser fingimento,
mostra-se aborrecido e ela reage atirando-se completamente nua em seus
braços, já que era isso que Paulo queria. Mas no auge do prazer do sexo, Paulo
percebe algo diferente nas carícias de Lúcia: mesmo no clímax do gozo, parece
que ela sofria. Sente, na hora, um imenso dó, ao que ela corresponde
cinicamente: "- Que importa? Contanto que tenha gozado de minha mocidade!
De que serve a velhice às mulheres como eu?" Ele quer pagar-lhe, ela
rejeita com um meigo aperto de mão. E ele retira-se realmente confuso com
"a singularidade daquela cortesã, que ora levava a impudência até o
cinismo, ora esquecia-se do seu papel no simples e modesto recato de uma
senhora".
E as informações que lhe
chegam a seu respeito são as piores. O Cunha diz que ela é "a mais bonita
mulher do Rio e também a mais caprichosa e excêntrica. Ninguém a compreende.
"Nunca fica muito tempo com o mesmo amante, "pois não admite que
ninguém adquira direitos sobre ela." Além do mais, é avarenta. Vende tudo
o que ganha. Até roupas. Para Paulo, no entanto, ela parece ser ao contrário de
tudo isso. Afinal, ela finge para ele ou já o ama? Paulo fica em dúvida atroz.
Por aqueles dias, numa ceia
em casa do Sá, com pessoas (Lúcia, Paulo, Sr. Couto, Laura, Nina, Rochinha,
etc...) maldosamente convidadas para transformar a ceia em bacanal, Lúcia
desfila toda nua, imitando as poses lascivas dos quadros que estavam nas
paredes, ante os olhares voluptuosos dos presentes. Depois, em lágrimas, nos
jardins da casa, ela se explica a Paulo. Fez aquilo por desespero, pois ele
havia zombado dela momentos antes: "se o Senhor não zombasse de mim, não o
teria feito por coisa alguma deste mundo...” E depois porque teria sido uma
decepção total, afinal o que Sá pretendia era mostrar a seu amigo Paulo quem
era Lúcia. “Não foi para isso que se deu essa ceia”?! - explicou Lúcia. E os
dois se amaram profundamente, lá mesmo no jardim, á luz da lua, até de
madrugada.
Decorridos alguns dias, Paulo
de certo modo passa a morar com Lúcia, e, apesar das prevenções e restrições,
mais e mais se liga a ela por afeto. Lúcia, por sua vez, já ama Paulo e se
entrega e ele como a um dono e senhor. Há momentos de atritos entre ambos.
Passageiros, e todos causados pelo egoísmo e incompreensão de Paulo que não
entende as profundas transformações que o seu afeto operou nela. E a tal ponto,
que ela não suportaria mais a ideia de se lhe entregar na cama, pois sente por
ele um amor muito puro e profundo. E ele, levado mais por desejo que por afeto,
não consegue aceitar esse comportamento sublime.
As más línguas já comentam
que Paulo, além de viver à custa de Lúcia, ainda a proíbe de frequentar a
sociedade. Lúcia que já então procurava viver mais retraída dispõe-se a voltar
à vida mundana apenas para salvar-lhe a reputação. Mas Paulo -
complicado, sádico, estúpido e chato - não compreende.
Lúcia já não vibra como outrora.
Mesmo quando excitada por Paulo. É a doença que já se faz sentir. Paulo não
entende essa frieza e por vezes se exaspera. Ela sofre calada, pois reconhece
que "o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus
poderia infligir-lhe!". O grande sentimento que os unia, arrefece, dando
lugar a uma amizade simplesmente.
O comportamento de Lúcia é
cada vez mais sublime e heroico. Já não existe mais nada da antiga cortesã. E
Paulo, por fim, entende essa nobreza de caráter e compreende o porquê das suas
recusas. Ela lhe recusava o corpo porque o amava em espírito. E também porque
já está doente. Paulo promete respeitá-la de ora em diante.
Lúcia um dia lhe revela todo
o seu passado. Chamava-se Maria da Glória. Era uma menina feliz de 14 anos e
morava com os pais, quando, em 1850, sobreveio a terrível febre amarela. Seus
pais, os três irmãos, uma tia caíram de cama, Ela ficou só. No auge do
desespero, resolveu pedir ajuda a um vizinho rico, Sr. Couto, que em troca de
algumas moedas de ouro tirou-lhe a inocência. "o dinheiro ganho com a
minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de
esperança." Seu pai, porém, sabendo da origem do dinheiro, e supondo ter a
filha um amante, a expulsou de casa. Sozinha, sem ter aonde ir, foi acolhida
por uma mulher, Jesuína, que, quinze dias depois, a conduziu à prostituição,
estipulando pela beleza de seu corpo um alto preço. O dinheiro, ela o usava
para cuidar do que restava da família: "e eu tive o supremo alívio de
comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã".
Uma colega de infortúnio foi morar com ela. Chamava-se Lúcia. Tornaram-se amigas. Lúcia morreu pouco depois. No atestado de óbito, a heroína fez constar que a falecida se chamava Maria da Glória, adotando para si o nome da amiga morta. "Morri, pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída." E todo dinheiro que ganhava, destinava-o à preparação de um dote para sua irmã, Ana, a qual passou a manter num colégio interno depois da morte dos pais.
Agora Paulo compreende ainda
melhor as atitudes misteriosas e contraditórias que Lúcia tomava como cortesã.
É que esse gênero de vida lhe parecia sórdido e abjeto. Ela suportava como a um
martírio, uma autopunição, uma maneira de reparar o seu pecado. Conhecido se
passado heroico, ele passa a sentir por Lúcia uma grande ternura e um amor
sincero.
Seguem-se dias
tranquilos. Lúcia muda-se para uma casinha modesta e Ana mora com ela.
"isto não pode durar muito! É impossível!" É o pressentimento da
morte. Lúcia tenta convencer Paulo a se casar com Ana, que já o ama também.
Seria uma maneira de perpetuar o amor de ambos, já que ela se julga indigna do
puro amor conjugal. Paulo rejeita com veemência em nome do amor que não
sente por Ana.
Lúcia aborta o filho que
esperava de Paulo. Ela se recusa a tomar remédio para expelir o feto morto,
dizendo "Sua mãe lhe servirá de túmulo". E já no leito de morte,
recebe o juramento de Paulo prometendo-lhe cuidar de Ana como sua filha. E
morre docemente nos braços de seu amado, indo amá-lo por toda a eternidade.
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