O ALIENISTA
Classificação da
Obra
UM CONTO CONTRA A CIÊNCIA
O Alienista foi escrito, sem dúvida, para
ironizar o cientificismo de que se contaminou o Realismo e, principalmente, o
Naturalismo no final do século XIX. Enquanto os autores arquitetavam histórias
e personagens com o intuito de explicar o comportamento humano à luz da
ciência, Machado, em tom sério, aqui e ali, vai fazendo um retrato irônico da
relação entre ciência, cientista e sociedade. E numa tese às avessas, vai
mostrando que o homem não é produto do meio, mas o meio aliena-se ao homem,
quando este resolve, a um só tempo, manipular a ingenuidade e a crença de um
grupo social sem acesso à cultura.
ESTRUTURA DAS PERSONAGENS
A relação entre ciência, política e
sociedade vai moldando, em O Alienista, caracteres que ainda estão bem
vivos na sociedade contemporânea. Dr. Simão Bacamarte, com certeza, não era um
cientista de mérito. Mas a ignorância do povo de Itaguaí elevou-o à posição de
um quase-Deus. Não seria essa a mágica dos políticos do nosso tempo? Não
estaria na ignorância do povo a resposta para a popularidade de governantes e
artistas em qualquer época? Itaguaí não sabe o que é ciência. Muito menos
entende da ciência do Alienista. Por não entender, não há força verbal para
contestá-la.
Estrutura da Obra
CAPÍTULOS
O conto O Alienista é composto
de 13 capítulos, todos com títulos. Não são propriamente capítulos que fazem a
história evoluir linearmente, são episódios da crônica de Itaguaí em
número necessário para que o autor possa deles extrair as suas notas de
sarcasmo e ironia.
AÇÃO
Na literatura machadiana, a ação,
quase sempre, cede lugar à introspecção no mundo das personagens. A ação é
diluída nos traços do ser e do comportamento humanos. São poucos os momentos de
dramaticidade ou de tensões ativas.
TEMPO
Logo no primeiro capítulo, o autor
sugere uma época passada, ou seja, os acontecimentos narrados não são
contemporâneos. "As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos
remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte..." O tempo
sugerido para os acontecimentos narrados é o do Brasil ainda Colônia de
Portugal. Iniciada a narrativa, o autor vai marcando a passagem do tempo de
forma linear.
ESPAÇO
A história toda desenvolve-se
em Itaguaí, pequena cidade do Estado do Rio de Janeiro. Por ser uma vila do
interior, com pouco ou nenhum conhecimento de fenômenos científicos, avulta
mais ainda a fama do Dr. Simão Bacamarte. Talvez por isso, o ilustre médico
escolheu-a para ser o seu "universo".
FOCO NARRATIVO
O foco narrativo é de terceira
pessoa, ou seja, a história é narrada pelo próprio autor, que não faz parte da
narrativa. O narrador é, pois, onisciente. Vale-se disso para olhar, vasculhar
o íntimo de alguns personagens, fazendo aflorar o lado mesquinho, às vezes
ridículo de cada um.
ESTILO DE ÉPOCA
Publicado em 1882, O Alienista
enquadra-se na literatura realista, inaugurada pela obra Memórias Póstumas
de Brás Cubas, do próprio Machado. Depois de uma série de obras românticas,
o autor sente-se amadurecido para começar uma segunda fase na sua produção
literária. Se os traços realistas estão bem nítidos na obra, não se pode negar
a presença de elementos naturalistas, como a própria temática do conto.
LINGUAGEM
A linguagem machadiana, nas obras
realistas, é sempre sóbria, direta, recheada de ironias. Através de alguns
personagens, o autor faz crítica ao discurso vazio e pomposo. Chega mesmo a
atribuir boa parte das vitórias do herói, Simão Bacamarte, à sua refinada
retórica frente a um público de vocabulário minguado. O vocabulário usado pelo
narrador é, às vezes, erudito, exigindo do leitor médio constantes incursões
pelo dicionário.
PERSONAGENS
§ Simão Bacamarte: protagonista da obra. Cientista
interessado em conhecer os limites entre a razão e a loucura, ferrenho seguidor
das teorias cientificistas professadas pelo Iluminismo.
§ D. Evarista: esposa de Bacamarte. Valorizam-se
nela os traços de feiúra e de saúde perfeita - razões por que
Bacamarte a escolheu para consorte. Submissa, vive a admirar a sabedoria do
marido. Por sua mania "suntuária", o marido trancou-a, por
algum tempo, na Casa Verde.
§ Crispim Soares: auxiliar de
Bacamarte, boticário da vila de Itaguaí. Não era apenas o melhor amigo do
cientista: era o seu bajulador, nunca discordando das suas teorias. Era um
oportunista de primeira ordem. Quando Porfírio subiu ao poder, abandonou
Bacamarte e aderiu à Revolta dos Canjicas. Foi trancafiado na Casa Verde.
§ Barbeiro Porfírio: liderou uma revolução contra
Bacamarte e a Casa Verde: a Revolta dos Canjicas. Uma vez no poder, deixou-se
levar pela ambição do governo e propôs aliança com o alienista. Foi derrotado
pelo seu rival da navalha: o barbeiro João Pina. Foi o único personagem
recolhido duas vezes à Casa Verde.
§ Sebastião Freitas: vereador que traiu a câmara e se
aliou ao barbeiro Porfírio na Revolta dos Canjicas. Representa o oportunismo.
§ Costa: o primeiro aparentemente normal a ser
recolhido à Casa Verde. Distribuiu toda a sua herança aos outros, sem usura.
§ Padre Lopes: representa, em toda a história, o
equilíbrio. É o oposto do alienista. Por sua conduta lúcida, é recolhido à Casa
Verde.
§ Mateus: albardeiro (fabricante de sela
ordinária). Construiu a mais bela casa de Itaguaí e, depois disso, passou a
adorá-la. Por isso, foi recolhido à Casa Verde.
§ Martim Brito: exímio compositor de frases
pomposas, sem nenhum significado lógico. Em função de um elogio exagerado à D.
Evarista, foi também preso na Casa Verde.
§ Galvão: O único político contra a cláusula
que excluía os vereadores de serem presos no hospital de Bacamarte. Ele gozava
do perfeito equilíbrio das faculdades mentais. Por isso foi recolhido à Casa
Verde.
§ Outros figurantes aparecem no conto. Cada um
representando anomalias e possíveis virtudes do ser humano. Há loucos de todos
os tipos no livro. Daí a presença de tanta gente...
TEMÁTICA PRINCIPAL
Loucura. Toda a história tem como fio
condutor a obsessão do Dr. Simão Bacamarte pela loucura. O médico quer
descobrir-lhe as causas e ser o primeiro a ministrar-lhe a cura. Para isso,
transforma quase toda a população da vila de Itaguaí em cobaia. Instala-se,
então, um clima de terror.
SÍNTESE DO ENREDO
Com o
intuito de "estudar profundamente a loucura", Bacamarte obteve
da câmara de Itaguaí permissão para construir um hospital
- a Casa Verde - onde abrigaria todos os doidos de Itaguaí e
das demais vilas e cidades da região.
Depois de
longas pesquisas com os primeiros dementes ali recolhidos, o alienista chegou a
uma convicção nova, revolucionária: o universo da loucura era muito mais amplo
do que ele supunha. Baseado na nova teoria, recolheu à Casa Verde inúmeras pessoas
"normais", sem nenhum sintoma aparente de sandice. A população
encheu-se de terror. O barbeiro Porfírio, apoiado por umas trezentas pessoas,
liderou uma rebelião contra Bacamarte e a Casa Verde. Houve mortos e feridos,
mas a Revolta dos Canjicas triunfou. Contaminado pelo poder, Porfírio nada fez
contra o alienista - pelo contrário, chegou a propor-lhe uma
aliança. Por isso, foi derrotado por outro barbeiro - o João Pina.
Para
restabelecer a ordem em Itaguaí, o vice-rei mandou uma força policial com
orientação para atender a todos os pedidos de Bacamarte. O alienista exigiu
logo a captura de Porfírio, do vereador Freitas e do seu melhor amigo, Crispim
Soares. Depois disso, a coleta de doidos foi desenfreada. Até a própria esposa
do alienista, D. Evarista, foi colocada na Casa Verde. Um dia, para assombro
geral de Itaguaí, Bacamarte anunciou que todos os doidos iam ser postos em
liberdade. Confessou ainda que a verdadeira teoria da loucura não era esta que
estava aplicando, mas o contrário desta. Por isso, ia agasalhar agora na Casa
Verde apenas pessoas que sofressem de "perfeito equilíbrio das faculdades
mentais". E a coleta de doidos continuou por mais um ano e seis
meses.
O
alienista aplicou aos novos dementes uma terapêutica eficiente, baseada nos opostos.
A cura foi milagrosa. No fim de pouco tempo, a Casa Verde estava vazia. Todos
curados. Nova teoria voltou a inquietar o Dr. Simão Bacamarte. Os
cérebros que curara eram todos desequilibrados, e nisto consistia a
normalidade. Então Itaguaí não tinha um doido sequer? Tinha. Depois de reunir
um conselho de amigos e ouvir deles que ele, Bacamarte, era o símbolo do
equilíbrio e da perfeição, considerou-se o único doido da região e trancou-se
na Casa Verde. Só saiu de lá para o cemitério.
Uma
reviravolta nas ideias
Simão passa
a considerar outra teoria: louco seria aquele que possui a mente em perfeito
equilíbrio e não o que tem o juízo doentio. A parte desta nova descoberta,
Bacamarte libera os antigos loucos e interna agora o padre Lopes, a esposa de
Crispim e Porfírio. Depois de um breve tempo, até que os novos internados
pudessem revelar algum tipo de desequilíbrio, Simão Bacamarte libera-os. Contudo,
o alienista não estava satisfeito. Chegou à conclusão de que ninguém estava
realmente doente e os desequilíbrios notados já faziam parte do comportamento
dos mesmos. Simão decide pôr-se a estudar seu próprio estado mental. Por fim,
declara-se o único equilibrado da vila, trancando-se na Casa Verde. Morre
depois de 17 meses.
A visão da obra machadiana
Machado usa
ironicamente o transparecer da visão de mente, fluindo entre razão e loucura.
Também questiona o papel destas linhas sobre o poder. Ser racional ou
desequilibrado importa para conquistar respeito e soberania. Novamente o
pessimismo machadiano envolve sua narrativa, sendo que o próprio autor afirma
ser do humano a graciosidade de parecer mal.
Análise
Esta obra ajuda a inaugurar a fase realista de Machado de Assis e apresenta diversas características que a obra desse escritor apresentará a partir de então, tais como a análise psicológica e a crítica social. Devido a sua extensão e outras características, alguns críticos afirmam tratar-se de uma novela; mas como este texto não apresenta as principais características de uma novela (uma maior preocupação com o enredo, superficialidade psicológica das personagentes, etc), “O Alienista” é classificado como um conto.
Com o narrador onisciente em terceira pessoa, Machado de Assis consegue mostrar e explorar o comportamento humano além das aparências, expondo com grande ironia toda a vaidade e egoísmo do homem. Machado de Assis coloca em questão nesse conto as fronteiras entre o que é normal e o que é anormal através de um médico que se esforça em tentar entender os distúrbios psicológicos da população. Dessa forma, pode-se dizer que há uma proximidade entre a personagem do Dr. Simão Bacamarte com o próprio Machado de Assis, uma vez que o autor também está interessado em analisar as atitudes das pessoas e suas relações sociais. Em torno da figura quase mítica do Dr. Bacamarte, que segue com rigidez e frieza suas teorias científicas, Machado de Assis dispõe outras personagens ricas em detalhes. Dentre toda espécie de tipos sociais, aparece D. Evarista, esposa dedicada, que ama e admira o marido. Porém, por mais que ela respeite todo o conhecimento e sabedoria do alienista, ela não segue suas recomendações médicas e tem ciúmes da dedicação que ele tem aos estudos em detrimento dela. Em contrapartida, temos Crispim Soares, que é o botânico da cidade. Ele admira, respeita e segue tudo o que o Dr. Bacamarte diz, porém, apenas por interesses próprios, de forma a conseguir vantagens através do alienista. Além dessas duas personagens, temos o barbeiro Porfírio, homem que representa o político preocupado somente em obter vantagens pessoais.
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